sábado, 4 de junho de 2011

O abraço da serpente

Constantemente
sente a serpente
que não gostam dela
como serpente.

Só gostam dela
em pele, sem ela.
Só gostam dela
superficialmente.

Tornada mala,
cinto, corrente,
eu não me sinto
como serpente,

diz a serpente
impaciente
quase doente
incomodada
desesperada
por ser serpente.

Eu sou tão querida
tão inocente,
o meu olhar
tão transparente.

O meu abraço
é tão dormente
e o meu beijo
é tão ardente.

O meu amor
tão envolvente.
Ninguém resiste
a uma serpente.

Como há quem diga
não ser prudente
ter como amiga
uma serpente?

Diz a serpente
impaciente
quase doente
incomodada
desesperada
por ser serpente.


poema de António Torrado
in Como quem diz

ilustração de Beatrice Alemagna

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