domingo, 27 de fevereiro de 2011

Pensar de pernas para o ar


Pensar de pernas para o ar
é uma grande maneira de pensar
com toda a gente a pensar como toda a gente
ninguém pensava nada diferente Que bom é pensar em outras coisas
e olhar para as coisas noutra posição
as coisas sérias que cómicas que são
com o céu para baixo e para cima o chão.

poema de Manuel António Pina
ilustração de Quentin Blake

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

A cor do silêncio


Que linda flor! Todos dizem
E as folhas de nervuras finas
Recortes serradas a preceito
Ficam caladas a escutar
Ninguém diz: que lindas folhas!
E verde é o silêncio.
poema de Matilde Rosa Araújo
em "As fadas verdes"
ilustração de Rebecca Dautremer

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Pirilampo


Uma faúlha de Sol

a esvoaçar na noite


não conheço paixão

mais luminosa.



poema de Francisco Duarte Mangas

em O noitibó, a gralha e outros bichos

ilustração de Anna Castagnoli

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Quero





Quero um

chapéu de vento

e um

lenço de mar.

Quero um vestido

de ar quente

e um casaco

de água doce.

Quero um sapato

de luz

e outro

de luar.





poema de Ana Ramalhete

ilustração de Elena Odriozola

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Chuva


Cai a chuva, ploc, ploc
corre a chuva, ploc, ploc
como um cavalo a galope.
Enche a rua, plás, plás
esconde a lua, plás, plás
e leva as folhas atrás.

Risca os vidros, truz, truz
molha os gatos, truz, truz
e até apaga a luz.

Parte as flores, plim, plim
maça a gente, plim, plim
parece não ter mais fim.

Mas então, plão, plão
é que os peixes vêm ver
que está o mar a crescer
e então plão, plão
saltam para fora do mar
e pelo ar vão a nadar
plão, plão, plão.


poema de Luísa Ducla Soares
em A gata Tareca e outros poemas levados da breca
ilustração de Quentin Blake

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

O Sol vai ficar solteiro




Sol e Lua Lua e Sol
Tanto querem namorar
Dia e noite noite e dia
Não se podem encontrar.

Só se vêem no momento
Em que um vai o outro vem
Dia e noite noite e dia
Um aqui o outro além.

Solta o sol o seu suspiro
Desatado fica o nó
dia e noite noite e dia
Quando a Lua o deixa só.

Anda o Sol a soletrar
Os seus versos mais ardentes
Dia e noite noite e dia
Se um se apaga o outro acende.

Um daqui outro dali
A brincar aos cin’cantinhos
Dia e noite noite e dia
Sol e Lua são sozinhos.

Se um se vai o outro vem
Seja Inverno seja Verão
Dia e noite noite e dia
Sol e Lua solidão.



poema de José Fanha

em A noite em que a noite não chegou


pintura de Paul Klee

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Cão de guarda


O que guarda o cão de guarda?

Guarda a nespereira e o pátio,

o guarda-sol e a cadeira,

todos brancos à poeira

da lua.

Longe na estrada flutua

um barco de cães-fantasmas.

O cão vê-os mas não ladra.

não quer perturbar o sono

do seu dono.



poema de Violeta Figueiredo

em O gato de pêlo em pé


ilustração de Elena Odriozola