quinta-feira, 28 de julho de 2011

Noitibó


A noite é o teu reino
a noite te deu o nome.

Diz-me, noitibó:

quantas estrelas serão precisas

para iluminar uma ave só?





poema de Francisco Duarte Mangas
in O noitibó, a gralha e outros bichos

ilustração de Joanna Concejo

terça-feira, 19 de julho de 2011

Livro


Livro
um amigo
para falar comigo
um navio
para viajar
um jardim
para brincar
uma escola
para levar
debaixo do braço.

Livro
um abraço
para além do tempo
e do espaço.



poema de Luísa Ducla Soares
in Poemas da mentira e da verdade

ilustração de Selda Soganci

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Era uma vez

A Ana lê muito devagar,
só uma letra de cada vez.
Enquanto ela está a só uma letrar
a Sara letra duas ou três.

A Ana tem tempo de lá chegar.
Os pês, os tês, os bês, os mês,
não fogem se ela se demorar.
A Sara quer acabar e começar outra vez.

A Ana lê e põe-se a pensar
nos quês, nos porquês, nos para quês,
e volta atrás para confirmar
porque, afinal de contas, talvez.

A Sara prefere entrar
nas palavras, nos desenhos, e ficar.
Existir no meio das histórias, em vez
de ver, viver; em vez

de pensar, de pausar, de perspicar,
ser ela a ser o que o herói fez.
Sai dos livros sem sair do lugar,
e corre o mundo de lés a lés.

A Sara lê assim, a Ana mais devagar,
e depois ficam as duas a conversar.
A Ana conta: "Era uma vez..."
E a Sara: "Era eu ema vez..."





poema de Manuel António Pina
in O pássaro da cabeça


ilustração de Selda Soganci

sábado, 9 de julho de 2011

No escuro


No escuro
o brilho da água
não se vê,
apenas se ouve.

No escuro
o vento
está mais só.

No escuro
a sombra
sente-se perdida.

No escuro
o sol
aguarda a sua vez.





poema de João Pedro Mésseder
in De que cor é o desejo?

ilustração de Joanna Concejo

sexta-feira, 1 de julho de 2011

O verão a acontecer


Nas mãos-conchas
pedras polidas
encontradas no rio
ao amanhecer

Nas mãos-folhas
amoras maduras
colhidas no bosque
ao entardecer

A teu lado
o verão
a acontecer.




poema de Ana Ramalhete

ilustração de Anna Castagnoli