terça-feira, 17 de maio de 2011

Faz de conta


- Faz de conta que sou abelha.
- Eu serei a flor mais bela.

- Faz de conta que sou cardo.
- Eu serei somente orvalho.

- Faz de conta que sou potro.
- Eu serei sombra em agosto.

- Faz de conta que sou choupo.
- Eu serei pássaro louco,

pássaro voando e voando
sobre ti vezes sem conta.

- Faz de conta, faz de conta.




poema de Eugénio de Andrade
in Aquela nuvem e outras

ilustração de Anna Castagnoli

sábado, 14 de maio de 2011

Para baixo e para cima



A Ana tinha um ió-ió muito bonito
que fazia tudo o que ela queria
quando ela dizia "para cima" o ió-ió ia para baixo
quando ela dizia "para baixo" o ió-ió ia para cima

Como gostava muito daquele ió-ió
a Ana fazia de conta que não percebia
para o ió-ió ir para cima dizia "para baixo"
para o ió-ió ir para baixo dizia "para cima"

E como o ió-ió gostava muito muito da Ana
era o ió-ió mais obediente que havia
quando ia para cima fazia de conta que ia para baixo
quando ia para baixo fazia de conta que ia para cima




poema de Manuel António Pina
in Gigões e Anantes

ilustração de Beatrice Alemagna

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Conversa pequenina


Mãe, o Sol é redondo, é?
É, meu amor.

Mãe, a Lua é redonda, é?
É, meu amor.

Mãe, então tu és redonda também?
Não, meu amor.
Oh!




poema de Matilde Rosa Araújo
in O livro da Tila

ilustração de Louise-Marie Cumont

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Bago de uva


A sua pele
assim tão redonda
tão esticada
parece um leve
suavíssimo lençol
onde se esconde
e adormece
um doce e perfumado
pedacinho de sol.



poema de António Mota
in Onde tudo aconteceu

ilustração de Alain Grée

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Noite e dia



Noite - disse o dia.
Chamou. Chamou.
Chorou. Chorou.
Tanto ele a queria
que a noite voltou
e nos seus braços rolou
até ser dia.



poema de António Torrado
in Como quem diz

ilustração de Mandana Sadat

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Os livros...



Os livros têm perfume
que não é de homem ou de mulher
e nem sequer é parecido
com outro perfume qualquer;
é um perfume sem nome,
não é de flor ou maresia,
mas tem o aroma secreto
que existe na poesia.



poema de José Jorge Letria
in Ler doce ler

ilustração de Quentin Blake

quarta-feira, 4 de maio de 2011

O peixinho encarnado



O peixinho encarnado
há muito que vivia fechado
no aquário da Joana.
Naquela semana,
ao ver-se apaixonado
pela gata, bela bichana,
decidiu saltar, desalmado,
para a liberdade ufana
de viver ou morrer sufocado.


poema de João Manuel Ribeiro
in Poemas da bicharada

ilustração de Beatrice Alemagna